Nada a temer... Nem a Temer.

31/03/2016 13:47

 

“Sou contra o golpe!” Mais: “sou contra a corrupção!” Uma frase incontestável é excelente arma manipuladora. Algum ditador se declara oficialmente... golpista? Quando muito, é um revolucionário. Ah... esse clássico eufemismo! Ótimo, somos todos a favor da Democracia e da Honestidade. Alguém defenderia o oposto?

Arthur Schopenhauer explica didaticamente a estratégia adotada: primeiro, cria-se uma distorção, ao chamar o processo de Impeachment de golpe. Então, ataca-se apenas a distorção: “golpistas, golpistas!” Gasta-se tempo contestando a mentira. Muda-se o foco do ponto de interesse. Destaca-se o golpe, não os motivos para impedimento. Eu já fui vítima dessa armadilha. Pouco importa se é mentira chamar Impeachment de golpe. Como um bom apelido, basta “colar”, não precisa fazer sentido. Repetida à exaustão, a estratégia funciona. Temos uma nebulosa cortina de fumaça, que camufla a verdade. Afinal, não existe na golpista primeira pessoa. Quando o termo é desagradável, só vale para os outros.

Foi demonstrado que o governo da Dilma é corrupto. Impossível se manifestar, simultaneamente, a favor do governo Dilma e contra a corrupção. Não depois de tudo que se sabe sobre a Petrobras, para ficar apenas no exemplo mais extremo. Mais corrupto que os anteriores ou menos hábil na camuflagem? Bom, se a sua defesa é igualar a corrupção dos políticos, fique à vontade. Aécio e outros podem ser suspeitos. A prova é a diferença entre o boato e o fato. E não perderia um instante do meu tempo para defendê-los diante de evidências de mal feitos. Sem traumas, não tenho bandido preferido.

Criticar a Dilma não significa apoiar o PMDB ou PSDB. Aécio e seus correligionários estão motivados apenas pela ambição do poder? Sim ou não, a legalidade do impedimento independe disso. Posso gostar ou não do governo, do resultado da urna. Isso é ponto de vista. Ideologia não é crime. Ao menos fora de Cuba, Coréia do Norte e similares. Opinião não é crime. Por outro lado, ideologia não anula crimes. Chamar um processo legal de golpe não é opinião, é manipulação.

Penso que a Esquerda brasileira deveria reunir os maiores indignados com a dupla Lula-Dilma. Afinal, seus governos, ainda que com bons resultados nos primeiros 8 anos, de esquerda só exibiram a cor vermelha em camisas e bandeiras. Lula, hábil manipulador de preconceitos e de estereótipos, manteve aliados tradicionais coesos e chamou de amigos os rivais históricos. Sob suspeitas diversas, certamente é culpado de roubar o sonho de milhões de eleitores que buscavam um partido diferente, de milhares que contribuíram com suor, cordas vocais e recursos financeiros para a construção do mito.

 Mas debate-se apenas a fumaça, a distorção. Não se trata de uma nova eleição entre Dilma e Temer, incluindo a sua lamentável sequência sucessória. Petistas e apoiadores, quem elegeu o Temer não foi a oposição. A dupla estava reunida na tela quando você confirmou o seu voto. Farinha do mesmo saco, embalado na estratégia de poder lulopetista. Quem escolheu Dilma é também responsável pelo seu vice.

Dilma ser impedida por motivos fiscais é como o mafioso Al Capone ser preso por problemas no Imposto de Renda. Muito pouco diante do conjunto da obra! Infelizmente, o nosso presidencialismo de coalizão não prevê mudança de presidente ruim, impopular ou que não consegue verbalizar três frases coerentes em sequencia. A primeira pista foi fiscal. Depois, acumularam as evidências na Petrobras, o financiamento da campanha, o informal terceiro mandato do Lula para escapar do Moro...

Há argumentos diversos contra ou a favor do Impeachment. O requisito para esse processo político-jurídico é a existência de crime de responsabilidade. Novamente, há espaço para opiniões opostas. Argumentos apenas políticos ou jurídicos são insuficientes. O desastre econômico derrubou a popularidade da presidente e reduziu apoios. Em caso de derrota nas votações no Parlamento, acontecerá a avaliação dos fundamentos jurídicos. Eita “golpe” heterodoxo...

De partida, o processo recebeu o rótulo de golpe. Classificar o processo de democrático ou não depende da lei, não da opinião dos torcedores. O chilique é livre, de direita ou de esquerda. Não se pode chamar de golpe um ato previsto em lei, sistematizado e vigiado pela Suprema Corte. Penso que a postura correta é acompanhar o processo e, ao indício de ilegalidade, criticá-lo.  Se há um vício de origem nessa história é o prematuro rótulo de golpe. Antecipando o nome, perdemos a clareza e a neutralidade no processo. Apenas buscaremos argumentos para o nosso ponto de vista. Qualquer julgamento tem o veredito ao final. Assim, aguardo o desfecho para colocar o meu rótulo.

O Brasil está dividido, ainda que em partes desiguais. Minha bola de cristal não mostra um futuro de violência motivada pela política ou ruptura institucional, mas um prolongamento da crise econômica. Uma República não deve temer um processo previsto em Lei, ainda que doloroso. Nada a favor de Temer e sua turma, mais um desdobramento ruim da chapa escolhida. Adicionalmente, o Brasil aguarda a manifestação do Tribunal Superior Eleitoral para uma eventual cassação da Presidente e do Vice, com nova eleição. Do meu ponto de vista, a melhor saída para a crise política. Faço apenas uma profecia: não vai ter golpe.