A Origem

19/11/2014 16:37

A Origem

No dia 9 de novembro, começava o terço final da viagem. Depois de muitos gyros, kebabes e slovaks - a culinária grega - eu ia correr a maratona de Atenas. Ainda no Brasil, um amigo informou que aquele era o circuito original. Outro disse que era o mesmo trajeto da prova olímpica de 2004, com chegada no estádio Panathinaiko, palco de disputas dos Jogos de 1896. Apenas fiz a inscrição, propositalmente sem pesquisas. Escolhi viver as surpresas.

Começamos em Maratona – a planície que deu nome à prova - terminamos na capital grega. O deslocamento até a largada é “à carioca”. Transporte de ônibus, numa bagunça que a crença no sucesso é quase uma questão de fé. As instruções da fila seguem em grego (!) e a confusão aumenta. Se, na edição olímpica, o primeiro colocado foi atacado, o que esperar da organização de uma prova para muitos amadores e alguns poucos profissionais menos expressivos? Como acontece por aqui, depois de algum tempo, tudo se ajeita e chegamos ao destino.

A expectativa aumentava. Apesar das belíssimas paisagens gregas, nosso roteiro é predominantemente urbano, sem maiores atrativos. Passadas históricas naquele espaço que o tempo modificou. Eu estava tenso, exageradamente ansioso. Talvez a falta de corrida nas semanas de viagem, a comilança extra, ou ambos. “Não desaprendi a correr. O objetivo é apenas me divertir!” Assumo, eu me sentia pressionado pela importância do evento. Estava há poucos momentos de uma das maratonas mais desejadas, um dos meus sonhos de corredor.

A largada acontece ao lado de um modesto e simpático estádio de atletismo. Como por encanto, tudo se transforma e estou na prova mais organizada já corrida na vida. Avisos em três idiomas e muitos voluntários colaborando. Largadas em várias ondas para mitigar o relativo aperto das ruas. Uma grande festa!

Duas histórias roubaram a cena aquele dia. No 14º quilômetro, sou ultrapassado por uma senhora que exibia uma camisa que dizia em inglês “minha centésima maratona”. Conquistou o meu respeito imediatamente. Pouco à frente, um alemão mostrava, no seu idioma, “minha 50ª maratona”. Que dupla! Então a colega centenária se aproxima do cinquentão e, numa surpreendente brincadeira, aponta para a própria camisa. Surpreso, ele responde entre risadas: “você é doida!”

Passo o cinquentão e sou superado pela centenária. Seguimos. Poucos quilômetros depois, vejo um sujeito cuja camisa informa, em inglês, simplesmente “eu corri 48 maratonas em 2013!” Caramba, que gente é essa? Depois me acham maluco... Puxo assunto. Ele descobre que sou do Brasil e diz que fala português. Conversamos. Sidy mora na França e conta que também correu do Recreio ao Aterro em 2013. Fala detalhes da prova e da minha cidade.

Agora mais lento, acompanhando aquela lenda viva, o cinquentão nos ultrapassa e comenta alguma coisa com o Sidy, que responde em alemão. Uns italianos também são respondidos no próprio idioma. Diante da minha expressão de perplexidade, ele se adianta e diz que fala “um pouquinho de vários idiomas”. Não sei o que ele chama de “um pouquinho”, em português ele é fluente!

Acelero. Ultrapasso um Fidípides devidamente caracterizado. Resolvi não quebrar a sua concentração e não me manifestei. Garotos distribuem alguns pequenos ramos de oliveira, que agarro como ouro olímpico.

A segunda metade é cheia de descidas. Minha velocidade aumenta sem esforço e o tempo final projetado fica mais rápido que o esperado. No 36º quilômetro, aquele onde o Vanderlei Cordeiro de Lima foi atacado, reproduzo o aviãozinho que ele imortalizou. Era o primeiro do dia.

Nos quilômetros finais, aumenta o apoio pelas ruas. Desce pra lá, pra cá, e o estádio fica mais próximo. Para valorizar o dia, reduzo a marcha. Não tenho pressa. A trilha sonora ao estilo “academia” conteve o brilho de uma chegada mágica. Detalhe... Eu corria pela tradição. Vivi a história, uma grande experiência. O segundo aviãozinho, agora nos metros finais, foi outra homenagem ao nosso medalhista da maratona. Emocionante!