1, 2, 3, 4...

15/04/2013 23:00

Comecei a ouvir música tardiamente. Um fato marcante, verdadeiro ritual de iniciação, aconteceu de forma bastante improvável. Nas aulas de inglês, alguém achou que seria prático e agradável colocar música para os alunos, como forma de estimular o aprendizado. Era uma bobagem chamada “clipe time”. Eu detestava. Trazia uma seleção de bandas “pops” - populares para alguém, eu imagino – incluindo coisas como Back Street Boys, Spice Girls e similares. Produção do próprio curso. O público aprovava, eu era o chato.

Novo semestre, nova professora. A Paula era britânica, não lembro de onde. Um nome provavelmente incomum na terra de Shakespeare, mas ela é xará e conterrânea da recordista mundial da Maratona, Paula Radcliffe. “Vou colocar um clipe diferente do nosso padrão, espero que gostem”, avisou. 1, 2, 3, 4... E começam os poucos acordes de “I don't wanna grow up”, Ramones! A classe ficou em choque. Acho que apenas eu e mais um colega aprovamos. “Ei, disso eu gostei”. Tinha acabado de conhecer minha preferência musical. Sim, eu gostava de música, apenas ainda não conhecia minhas bandas favoritas!

Fui apresentado aos Titãs pelo acústico, minha porta de entrada para o rock nacional. A iniciação foi com a versão lenta, cheia de violões, como a maioria dos meus contemporâneos. Gostei mesmo do passado punk, de guitarras distorcidas. Ganhei de presente da minha mãe “As Quatro Estações”, com o Renato Russo já falecido. As bandas favoritas já estavam aposentadas ou parcialmente enterradas. Legião Urbana, só em documentário ou cd. Perdi os maiores momentos de sucesso dos Paralamas, por exemplo. Titãs apenas em marcha lenta e formação incompleta. Ainda sim, minha preferência é pelos discos – para usar a terminologia original – mais antigos. Musicalmente falando, nasci no período errado!

Quase duas décadas depois, agora estamos em meados de abril de 2013. Era mais um treino longo, preparativo para a tal Comrades, ultramaratona na África do Sul. Chuva durante mais de 3 horas das quase 6 horas em movimento. Muita água em vários momentos. Estou saindo da Lagoa, chegando na marca de 40 km de treino e ainda longe de casa. Uma música pode ser boa motivação... Como eu corro sem qualquer aparelho de som, só posso escolher entre os pensamentos ou um canto mal executado, em poucos decibéis. A orla bastante esvaziada pela frente fria estimulava a segunda opção. Sigo... A primeira da lista é “Cabeça Dinossauro”. Emendo com outras do mesmo disco e assim, passo por Ipanema. Só prefiro evitar expressar “Tô Cansado” – outro clássico da mesma banda. Era uma verdade inconveniente naquele momento!

Quase chegando a Copacabana, caminho alguns passos enquanto tomo um gel carboidrato. Já tinha passado da simbólica marca da maratona. Olho para o lado e sou ultrapassado por um sujeito que parece familiar. Inicio uma discreta perseguição. Minha miopia, que contraria os médicos, não estabilizou aos 30 anos de idade não permite a confirmação imediata do suspeito. Faço uma aproximação cuidadosa para verificação e exclamo:

- Tony Bellotto!

Simpático, ele responde animado e iniciamos um bate papo. Falo que gosto muito dos Titãs e comento dos últimos shows. Quem poderia sonhar que fariam uma turnê de disco lançado 30 anos antes? E que o Arnaldo Antunes faria apresentações com os velhos amigos? Pois é, corri uns 500 metros ao lado de uma grande figura do rock e também da literatura. Grande surpresa para um dia de chuva. Animou os quilômetros restantes de volta pra casa. “Hey, ho. Let´s go!