Comrades: O treinamento - parte II
Dia 23 de abril fiz meu último longão indispensável, o maior deles. Foram uns 54 km com subidas e descidas e os 11 km restantes em terreno plano. Eram os 65 km máximos previstos. Foi um teste indispensável.
Após verificar mais uma vez a caixa de entrada do meu e-mail, apareceu uma mensagem do Chão do Aterro. “Ótimo!”, pensei. Tudo que eu precisava era um treino em subidas com o pessoal. Aquele feriado era uma boa oportunidade. Entre o café da manhã mais longo e a demora na conexão do Garmin (relógio para esportes com GPS), atraso uns 10 minutos e inicio a minha jornada solo.
“Ah, acelerando um pouco, devo encontrar alguém até a metade do percurso.” O aquecimento não foi dos melhores e sinto algum desconforto. A velocidade segue moderada. Avanço pelos quilômetros e não avisto qualquer camiseta verde. É comum a divisão do grupo entre os dois caminhos possíveis (Sumaré e Silvestre). Suspeito que o meu tenha sido menos prestigiado aquele dia...
Sozinho, finalmente passo pela cancela e começo a descida pelas Paineiras. Próximo à queda d´água – ou seja, no fim da linha – finalmente encontro meus colegas. Descubro que todos seguiram caminho diferente do meu. Paro, caminho e converso alguns minutos. Logo surge a Comrades como assunto. Acabo surpreendido com uma pergunta instigante:
- E pra cabeça, você faz algum tipo de preparação?
Minha resposta imediata e insegura foi “não!” Refletindo, acho que não fui verdadeiro. Cada treino longo prepara corpo e mente, pernas e paciência. As placas que indicam a quilometragem são apresentadas em contagem regressiva na Comrades. Não deve ser muito animador saber que faltam 80 km, por exemplo! Ou depois de correr 37 km – quase uma maratona! – ser informado que a chegada está a 50 km! A força de vontade é treinada e demonstrada na preparação.
Após um breve e providencial momento de relaxamento, era hora de escolher o meu rumo. Aquele seria o dia dos 65 km? Dúvidas... Nunca existirão condições ideais. São apenas situações. Havia uma data limite para o maior dos treinos, um período delimitado. Seria naquela terça-feira, com clima favorável, ou no fim de semana seguinte, sem garantias meteorológicas e mudando planos agendados? Num impulso, decido: ao ataque!
O roteiro foi rua Alice, Sumaré, Alto da Boa Vista, Floresta da Tijuca, Mesa do Imperador, Vista Chinesa, Lagoa (Piraquê – Botafogo), Botafogo (calçada) e Aterro do Flamengo. Alguns trechos contaram com pequenas idas e voltas. Lembro do treino de 57 km, feito sob chuva quase constante. Testou mais a determinação que o físico. Desconforto, vontades contraditórias, incentivos constantes para mudança de planos. Em um momento de chuva torrencial, ainda antes da metade, quase aborto a missão. Penso que seria uma decisão estratégica, sem arrependimentos. Treinar a cabeça é fundamental, entretanto há um limite, por vezes pouco claro, entre obstinação e teimosia, entre perseverança e burrice. Sim, tenho que fazer treinos longos, mas eles já são muito duros, não preciso escolher as piores condições. Respeitar os limites é agir com sabedoria.
A parte crítica do treinamento foi concluída. Ainda farei alguns “longuinhos”, que em condições normais mereceriam o aumentativo, porém que no momento não causam tanto medo. Uma metáfora natural seria correr com o apoio dos amigos. Cuidadoso com as palavras, prefiro pensar que sou empurrado pelos amigos. O corredor sabe que peso extra é dispensável! Especialmente em subidas! Ainda não é despedida, mas já agradeço o incentivo de todos. Rumo a Pietermaritzburg!