Dívida, culpa e desculpa

28/01/2015 10:49

 

Os alemães usam a mesma palavra para dívida e culpa: Schuld. Misture a isso os abusos do Tratado de Versailles, a experiência traumática da hiperinflação e o perfil religioso dos comedores de salsicha. A gosto do freguês, relacione com Max Weber e a sua Ética Protestante.

A dívida é sempre tema polêmico, seja pessoal ou nacional. Nas crises, ela nos redime dos erros e alimenta o inimigo externo. Afinal, somos vítimas do grande algoz, o credor. Países e pessoas fazem escolhas. Acertam e erram. Uns têm mais opções que outros, a vida é assimétrica. E a sucessão de decisões ajuda a formatar o nosso futuro. Essa lógica não se limita às finanças pessoais ou nacionais.

Não me apego ao eventual moralismo teutônico. Na língua do meu colonizador, dívida e culpa são coisas diferentes. Sem remorsos... Em português, calote não é apenas questão de rezar mais ou menos ave-marias compensatórias, estadia maior ou menos no purgatório. Sim, a dívida pode ser mais destrutiva que um exército inimigo, embora atuando de forma mais diplomática e, aparentemente, amigável. O tema passa pela decisão política, não se esgota nos números.

Ação e reação, causa e consequência. Chame como quiser... Individualmente, alguém baterá à sua porta, as garantias dadas serão executadas. Nacionalmente, menos capital irá para o seu país, você sentirá efeitos negativos na sua taxa de câmbio e na simpatia dos investidores. Isso para falar o mínimo. Como irá se relacionar com o mundo no dia seguinte? O calote só é compatível com uma solução de autarquia. Lembre-se, estamos avaliando os efeitos, não a ética da ação.

Pessoas têm limites de gastos. Países, com as devidas adaptações, também. O pobre pode achar injusto ter menos recursos que o rico. Porém, gostar ou não da situação não afeta o tamanho do seu bolso. Não culpe o sistema pelos excessos dos usuários. Para os países, uma dívida bem estruturada, com longo prazo de pagamento, é solução.

Não dê calote, financie! Quando os economistas falam em pagar a dívida, não querem extingui-la. Tratando-se de países, dívida se resolve com mais dívida. Não dê desculpas nem procure culpados. Transmita confiança! Culpar o sistema financeiro pelo seu endividamento é como responsabilizar a internet pela divulgação da pornografia. O empréstimo permite o deslocamento intertemporal das decisões de consumo. Traduzindo: compre hoje, pague amanhã. E isso é ótimo! É um grande adianto, literalmente!

Os problemas começam quando alguém fala que não vai pagar a conta. Credor algum gosta de ouvir essa frase. Do principal banqueiro do país ao dono do botequim ao lado. Entendeu ou estou falando grego? Você aceita vender fiado? Se aceitasse negociar a dívida de um cliente que está em condições piores, como acha que os outros reagiriam? A aceitação do calote daria um incentivo ruim: “não pague, tudo bem, eu entendo” A ação seria copiada e todo o sistema se desmontaria. Incluindo os benefícios.

Os judeus foram perseguidos e atacados em vários momentos ao longo da história porque estavam em condição privilegiada durante crises. Esse foi um dos principais argumentos daquele austríaco carismático de bigode ridículo. Afinal, malditos credores! Sempre nos cobrando nos momentos mais difíceis... Salvo se você é o dono da bola, não podemos antecipar o encerramento do jogo porque o placar nos é desfavorável. A mão que empresta é a mesma que cobra. E o risco é parte do negócio. Educação é a forma de equilibrar a disputa. Ah se as escolas ensinassem mais matemática financeira e menos química orgânica...

Na Grécia do século XXI, temos mais um exemplo de cigarras diante da chegada do inverno. Malditas formigas alemãs! Querem uma ironia da história? Acabo de descobrir que o Esopo, aquele das fábulas, era... grego!

 

PS: eventuais críticas devem ser acompanhadas de exemplos de calotes bem sucedidos. São exceções que confirmam a regra.