Receita para fazer história – Santos 4 X 5 Flamengo

Como em qualquer receita culinária, selecionar ingredientes de boa qualidade é fundamental, entretanto não representa garantia de sucesso. A atuação do cozinheiro, se não chega a transformar chumbo em ouro, pode realizar proezas. Para preparar uma grande partida de futebol, recomendo os seguintes ingredientes: escolha times de grande história, com tradição e torcida; adicione grandes jogadores em ambas as equipes; belas jogadas e lances inesperados; chances aproveitadas e perdidas. E gols, muitos gols. De ambos os lados. Coloque tudo isso em um palco digno do espetáculo, onde o artilheiro nunca poderá ser o gramado. Preferencialmente, deve haver com título relevante em disputa, com chances equilibradas de conquista entre os adversários. O toque especial, o verdadeiro segredo de chef, é incluir no roteiro uma virada improvável.

O resultado desta receita foi degustado na noite de quarta-feira, dia 27 de julho de 2011. Quem viu, lembrará dos detalhes por muitas décadas, mesmo sem qualquer envolvimento emocional de torcedor. Um jogo como esse não acontece com freqüência. Foi um acontecimento raro, quando a realidade supera a ficção.

No último duelo entre Santos e Flamengo, a Vila Belmiro mudou a relação espaço-tempo. Passado e Futuro encontraram-se no momento Presente. Ronaldinho Gaúcho, aquele ex-craque de tempos pretéritos, jogador decadente e festeiro em busca de aposentadoria cômoda no retorno ao país de nascimento, trocou de lugar com o melhor do mundo de tempos anteriores. Neymar, a jovem promessa de cabelos rebeldes, recuperou-se da fracassada campanha inaugural com a camisa amarela. Ótimo para quem gosta do jogo. Melhor ainda para o futebol brasileiro.

Curiosamente, não havia um grande prêmio em disputa. A gosto do cozinheiro, esse item foi dispensado. Partida de meio de campeonato, Santos já classificado como campeão para disputar a Libertadores em 2012, com o pensamento no Mundial de Clubes, no final do ano, com o provável duelo frente ao temível Barcelona.

Em 15 minutos de jogo, o placar marcava 2 X 0 Santos. Aos 20 minutos, Deivid proporciona um lance insólito, incompatível com o espetáculo. Depois dos palavrões, o pensamento da torcida rubro-negra deve ter sido “até a minha avó faria esse gol, como ele perdeu?!” Pouco depois, Neymar faz um gol memorável, fantástico. Se fosse em Copa do Mundo, sairia carregado do estádio. Não foi de placa, mas de estátua! E esclareço, não estou entre os fãs apaixonados do jogador. Longe disso, para ser sincero. Poupo a descrição, é preciso ver as imagens.

Roteiro para uma tragédia em vermelho e preto. O time jogava bem, mas tudo dava certo para o adversário... O que fazer? Diferença de três gols no placar em menos de 28 minutos de bola rolando e um gol incrivelmente perdido... E agora? Desistir e tentar dormir? Impossível, adrenalina demais para relaxar... Quarenta minutos: pênalti para o Santos, após falta de Wiliams em Neymar. Elano prepara-se para a cobrança. Muita pressão, após a péssima tentativa na Copa América. Seria esperado um chute firme, para espantar as críticas... Surpresa! A opção pela “cavadinha” termina com um quase recuo para o goleiro Felipe, que defende com tranqüilidade e... aproveita para fazer embaixadinhas! “Foi recurso!”, definiria ele em entrevista após o jogo. Um lance que muda tudo... Como disse Júnior, craque da bola e dos comentários, o futebol não aceita desaforo.

Fim de primeiro tempo, jogo inesperadamente empatado. Segundo tempo em andamento, em jogada pela esquerda, Neymar finaliza com a categoria usual e coloca o Santos em vantagem novamente.

Após excelente jogada individual, Ronaldinho sofre falta. O local da cobrança é muito próximo da entrada da área. Perigo para o time adversário. Jogadores preocupados na barreira. Para tentar impedir o gol, saltam alto! E, em momento de gênio do mundo da bola, Ronaldinho aproveita e toca fraco, por baixo dos adversários que decolam. Simples... E perfeito! Jogo empatado novamente. Seria até um resultado justo, mas entre o passado e a promessa, o presente foi dado à torcida que veste vermelho e preto! Antes do apito final, Ronaldinho desempata o jogo e finaliza o placar. Vitória inesquecível.

Um jogo de futebol é... apenas um jogo de futebol. As escolas e hospitais não mudarão por causa disso. Sua conta bancária, se mudar, será para pior... Falo dos jogos normais, ordinários. Santos e Flamengo foi um verdadeiro espetáculo de mágica, um daqueles raros momentos quando a realidade torna-se fantástica, quando a história é construída diante dos nossos olhos. E, pra finalizar, uma justa e merecida oportunidade para um comentário de torcedor: eu teria um desgosto profundo se faltasse o Flamengo no mundo!