X-Terra – Etapa de Juiz de Fora
Ironicamente, quis o destino que a minha primeira corrida sob chuva – a 26ª prova oficial – fosse uma meia maratona em trilhas. Há alguns dias a chuva era constante na região de Juiz de Fora, local do evento, indicando que as condições do terreno seriam péssimas. Bastante inexperiente no assunto, eu estava preocupado com o calçado. Não queria afundar na lama meu melhor tênis de asfalto e os demais não tinham sola minimamente compatível. Há tempos procurava o modelo para trilhas da minha marca preferida, mas não encontrava no meu número. Tinha um problema a resolver.
Na véspera do evento, circulo no shopping em busca de solução. A maioria dos vendedores não sabia nem da existência do modelo. Sem alternativas, tinha que mudar de marca e gastar mais. O que fazer? Debutar calçado em prova fere todas as recomendações básicas, mas eu tinha meus argumentos. Sim, poderia ficar com bolhas e ou até com calos no final, porém era preciso ficar de pé para correr. E isso, naquelas condições, só seria possível com o novo equipamento. Lembro do meu professor de Macroeconomia I, que falava em tom anedótico: “Pensar “eu mereço” é o pior critério de decisão econômica, pois sempre achamos merecemos tudo de bom.” Confesso que não gostava muito das aulas dele e que aprendi mais estudando por conta própria, mas esse ensinamento valeu a disciplina. O problema é que eu “realmente” merecia aquele tênis! E de fato precisava! Decido pela compra, era um risco calculado. Escolho um modelo mais caro, com tecnologia que não permite a entrada de água e ainda elimina o suor. Pura mágica!
Largada! Era a estréia da minha camisa personalizada de corrida, que não ficou pronta antes da maratona de Buenos Aires. Acelero nos quilômetros iniciais de asfalto. Passamos por uma forte descida e, cauteloso, reduzo a velocidade. Não posso forçar tanto! Em corridas, tudo que desce pode subir, especialmente quando você está mais cansado. Meus dias anteriores incluíram muitas horas sentado em ônibus/avião e poucas horas de corrida. As pernas estavam travadas, duras. Era preciso um esforço incomum para manter uma velocidade razoável. Mesmo tendo como objetivo único me divertir, a proposta incluía completar o percurso sem traumas ou danos. O final foi feliz, mas fiquei preocupado de início.
Começa de fato a trilha. Subidas, descidas, dribles em fezes eqüinas e bovinas e seguimos firmes. O terreno estava escorregadio ao extremo em qualquer condição de inclinação. Uns trechos de “estrada” – onde seria impossível passar qualquer veículo – e outros de trilha de pouco mais de ½ metro de largura. Compreendo então porque alguns usavam calças de corrida. De fato, frio não fazia, entretanto o mato incomodava em alguns momentos.
Correr em trilhas impõe muitas “quebras de ritmo”, o que demanda treinamento específico. Manter “velocidade de cruzeiro” é mais comportável, mas não era possível naquele cenário. Mesmo a adaptação para “esforço constante” – subida lenta e descida moderada, com o mesmo desgaste – não era tarefa simples. Sigo com calma, aproveitando o visual, caminhando sem culpa quando bebia água e quando a paisagem era especial. Afinal, nem relógio eu usava. Em alguns trechos, apenas caminhar era desafiante. Quando me afundei atravessando um rio e a água quase chegou na cintura não teve jeito, molhou tudo mesmo. Mas era possível correr naquelas condições sem os tradicionais ploft ploft! Quase um milagre mesmo. Valeu o investimento!
Ao afinal, avisto o lago da represa onde foi a largada. O trajeto segue a margem por alguns quilômetros. Um espetáculo! Acho que fui um dos concluintes mais “limpos”. Falo de menos lama nas roupas mesmo! Corridas com poucas pessoas são interessantes, diferentes. Não há aperto na largada e pouco depois estamos sozinhos. Cada um segue o próprio ritmo naturalmente. Recomendo a participação em provas fora do asfalto. Elas valorizam o ato de correr. É difícil e estimulante. É ótimo!